O burnout é hoje considerada uma doença: trata-se de uma situação extrema de exaustão que pode encontrar melhoria num processo de aprendizagem de estar consciente e saber aproveitar o presente. O mindfulness é uma técnica que permite alcançar esse estado de tranquilidade, e Manuela Rodrigues, médica dentista, traz a Portugal um programa focado nos seus colegas de profissão.
Sabemos, muitas vezes por experiência própria, que o dia a dia não é fácil e pode ser altamente stressante. A nossa cabeça “anda a mil”, ouvimos tantas vezes dizer. Cansaço, esquecimento e falta de motivação são sentimentos muito comuns na sociedade de hoje. O momento presente, a concentração absoluta são cada vez mais raras. Tudo isto conduz a uma situação de burnout – uma condição que foi reconhecida em maio deste ano como doença pela Organização Mundial de Saúde.
Os médicos dentistas, tal como profissionais de outros setores, estão sujeitos a uma forte pressão profissional, que se alia muitas vezes a uma vida social cada vez mais exigente, estando também sujeitos a sofrer de burnout. Segundo Steven Stack (Suicide risk among dentists: A multivariate analysis), a “probabilidade de suicídio de um dentista é 6,64 vezes maior do que a do resto da população em idade ativa”.
Os sintomas desta doença consistem num estado físico, emocional e mental de exaustão extrema. A síndrome de burnout envolve sintomas como cansaço excessivo físico e mental, insónias, dificuldade de concentração, alterações repentinas de humor, fadiga, tensão alta, taquicardias, dores musculares, sentimentos de fracasso, insegurança e/ou derrota, isolamento, problemas gastrointestinais. O stresse e a falta de vontade de sair da cama ou de casa, quando constantes, podem indicar o início da doença. Estudos recentes confirmam que o stresse excessivo da profissão de médico dentista se traduz numa incidência alarmante de doenças cardiovasculares, úlceras, colites, dor lombar, cansaço da vista, depressão ou suicídio.
Perceber que não estamos bem pode ser um processo demorado e, muitas vezes, quando nos apercebemos, estamos no limite. Os sintomas de burnout surgem de forma leve, agravando-se ao longo do tempo. O ideal seria procurar ajuda assim que for notada uma ligeira alteração e aprender a lidar com o stresse.
Existem hoje técnicas para ultrapassar esta exaustão extrema, sendo a mais eficaz aquela que implica parar e aproveitar o momento na sua plenitude. É aqui que entra o mindfulness, o “simples ato de intencionalmente dar atenção ao momento presente, ou seja, é o ato de estar ativamente consciente do que estamos a fazer, enquanto o estamos a fazer. Isto pode parecer simples, mas não é”, explica Manuela Rodrigues, médica dentista que, desde 2016, é praticante desta ‘técnica’ e que organizou o programa ‘Mindfulness Based Stress Reduction’ (MBSR), em Lisboa, em outubro.
“Ser mindful é estar totalmente no momento presente, de uma forma intencional, experiencial e não julgadora. Isto consegue-se através de treino, com técnicas de meditação. A palavra meditação ainda tem muita conotação negativa, mas não é mais do que treino de concentração e foco. A meditação mindfulness tem como foco o treinar a mente a ficar no momento presente. A meditação pode ser vista como ir ao ginásio. Neste caso, o ginásio da mente. É com o treino da meditação que treinamos a nossa mente a estar concentrada e focada”, explica Manuela Rodrigues.
O mindfulness é uma técnica aplicada hoje em muitas empresas, como a Google, a PWC, o Deutsche Bank, a Apple, o Credit Suisse, a KPMG, a Reuters, o Santander, a SAP, a Galp, a McKinsey, o MIT, entre tantas outras. Todas perceberam os benefícios do mindfulness e começaram a aplicá-lo aos seus colaboradores.
Em vários países da Europa, com maior predominância no Reino Unido, já está a ser aplicado nas escolas, faz parte do sistema nacional de saúde e é aplicado também no parlamento. Na Holanda e na Bélgica, faz parte da formação contínua dos profissionais de saúde.
“O stresse está a deixar-nos doentes, tristes e estúpidos. A prática do mindfulness torna-nos profissionais, pessoas mais felizes”, diz Manuela Rodrigues, que decidiu incluir este método na sua vida, sendo hoje a sua principal ocupação profissional transmitir estes conhecimentos e esta forma de estar aos seus colegas de formação. “O mindfulness pode ajudar os médicos dentistas a lidar de uma maneira saudável e eficaz com o stresse resultante da profissão. No programa de ‘Mindfulness Based Stress Reduction’ (aprendemos as competências necessárias para melhor lidar com o stresse, equilibrar a energia e (re)descobrir a alegria na profissão. Ninguém tem de se sentir preso a uma vida de stresse, preocupação, ansiedade e/ou exaustão.”
O mindfulness, que oferece um caminho simples, que pode ser feito por qualquer um, juntamente com a meditação, reduz o stresse e isto tem benefícios imediatos no plano da saúde: sono mais eficiente, mais energia, melhoria do sistema imunitário, menos ansiedade e depressão, aumento da concentração, atenção e memória.
“Pessoalmente, acho que chegámos a um ponto em que é aceite como normal que a profissão de dentista é muito desgastante. Isto é falado abertamente e frequentemente entre colegas. Mas quando se fala em maneiras de lidar com este desgaste não há respostas. O mindfulness oferece essa resposta”, afirma Manuela Rodrigues. Os efeitos positivos na profissão são a melhoria do desempenho, da liderança, tomar melhores decisões, melhor comunicação, criatividade, melhores capacidades de negociação, estabilidade emocional, melhores relações profissionais e pessoais.
Mindfulness para redução de stresse
A maior parte das pessoas vive em permanente estado de stresse, sem conseguirem realmente estar presentes e a sentir que não estão completamente em controlo da sua vida. A praticante de mindfulness ensina “as pessoas a meditarem, a terem uma prática sólida de meditação nas suas vidas e a integrar o mindfulness no seu dia a dia e assim permitir que vivam uma vida mais feliz e equilibrada, com mais clareza, foco, criatividade e alegria. Organizo também retiros de mindfulness em que as pessoas têm oportunidade de parar, relaxar e aprender sobre o mindfulness e os seus benefícios”, explica.
O programa ‘Mindfulness para Redução de Stresse’, dado por Manuela Rodrigues, chegou a Portugal em outubro. Trata-se de um programa baseado em técnicas de meditação mindfulness desenvolvido pelo doutor Jon Kebat-Zinn, em 1979, no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos da América.
O MBSR é um programa de aprendizagem experiencial com base no treino de mindfulness, em que são abordadas áreas como a gestão de stresse, a regulação mental e emocional e a implementação da prática de mindfulness no dia a dia. “O MBSR é, atualmente, o programa de mindfulness com mais pesquisa científica e mais praticado a nível mundial.”
O programa tem a duração de oito dias e não é, sublinha Manuela Rodrigues, “um penso rápido” ou uma “cura milagrosa”. “É um programa de treino, no qual se aprendem ferramentas mentais e a desenvolver novos hábitos e atitudes para lidar de uma maneira mais consciente com os desafios da profissão.” O programa consiste em oito sessões de 2h30 ao longo de oito semanas, mais um dia intensivo (com duração de seis horas). Cada edição está limitada a um número de dez participantes.
Benefícios da meditação mindfulness
- Redução de stresse
- Reduz enxaquecas
- Melhora o sono
- Aumenta a produtividade e o desempenho (Quando o nosso corpo está num estado de stresse e/ou ansiedade, a nossa capacidade mental diminui. A meditação diminui o stresse e permite trabalhar na sua melhor forma com todas as capacidades.)
- Mais energia
- Melhoria do sistema imunitário
- Menos ansiedade e depressão
- Aumento da atenção e memória
A abordagem do MBSR é contemporânea e adaptada à vida moderna. Não é necessário roupa especial ou almofadas de meditação. Os participantes sentam-se em cadeiras e têm um curso normal. Neste programa de oito semanas, aprendem-se as ferramentas para ter menos stresse, ter mais clareza e criar a liberdade mental para focar no que realmente interessa. Manuela Rodrigues adianta que “isto vai ser feito de um modo estruturado, guiado por um instrutor treinado e suportado por um grupo de pessoas que estão a passar os mesmos desafios”.
A primeira edição do programa de mindfulness para médicos dentistas começou no dia 12 outubro e está a decorrer até 7 de dezembro, na Clínica Dentária do Bairro, em Campo de Ourique, Lisboa. Haverá uma segunda edição, também na capital, nos meses de janeiro e fevereiro de 2020. Manuela Rodrigues gostaria também de levar este programa até ao Porto: “Tenho tido muitos pedidos de colegas do Porto no sentido de fazer lá uma edição.”
Será a primeira vez que a especialista organiza MBSR em Portugal para dentistas, o que não acontece por acaso. “Sei, por experiência, que a profissão de dentista é exigente e desgastante, e acredito que o benefício que os médicos dentistas podem ter com este curso é elevado. Não só para si, mas também para os seus pacientes, para toda a equipa na clínica (muitas vezes ao seu encargo) e para a sua família.”
Os interessados em participar neste programa podem inscrever-se ou pedir mais informações através do endereço eletrónico manuela.srodrigues@hotmail.com ou visitando o site https://mailchi.mp/d0f1fa5221a5/mbsr , no qual se encontra toda a informação e formulários de inscrição. O valor do programa é de 200 euros (IVA não incluído) para oito sessões semanais, sessão intensiva, manual e áudio com práticas guiadas de mindfulness.
É médica dentista desde 2001. Entre 2015 e 2017 exerceu a profissão na Bélgica. Em 2016, fez um curso do RIZIV (um curso obrigatório para manter o número profissional na Bélgica) de ‘Mindfulness in de tandartspraktijk’ (Mindfulness na clínica dentária). No final, o doutor Wilfried Van Craen falou com Manuela e perguntou-lhe se em Portugal o mindfulness era ensinado aos dentistas. Ela respondeu que não e ele instigou-a a fazer essa formação. Já na altura, Manuela Rodrigues era praticante e entusiasta de meditação mindfulness e vida consciente. Assim, fez mais cursos de mindfulness e meditação, retiros, leu livros, estudou, aprofundou a prática, iniciou um curso de formação para formadores pela UC San Diego Health, e a medicina dentária ficou cada vez mais para segundo plano.
Este artigo foi publicado originalmente na edição 128 da revista SAÚDE ORAL, de setembro/outubro de 2019.