A doença periodontal constitui, ainda hoje, um desafio para a Implantologia. Compreender os obstáculos e identificar as melhores soluções para estes pacientes é o primeiro passo para um tratamento eficaz, defende o painel de médicos dentistas que entrevistámos. Quanto ao sucesso a longo prazo, esse requer um esforço conjunto de médicos dentistas e pacientes.
Um em cada cinco pacientes desenvolverá peri-implantite nos cincos anos posteriores à colocação de um implante se não seguir um plano regular de manutenção, revela o estudo Prevalence of peri-implantitis in patients not participating in well-designed supportive periodontal treatments: a cross-sectional study, divulgado pela publicação Clinical Oral Implants Research em fevereiro deste ano. Esta infeção bacteriana é considerada pela comunidade médica a principal causa de perda de implantes dentários. A doença periodontal prévia é um obstáculo acrescido, mas o recurso a implantes ossoeointegrados para devolver o sorriso a pacientes com edentulismo parcial ou total tem-se afirmado como uma resposta. Para João Caramês, médico dentista e diretor clínico do Instituto de Implantologia, estes implantes são uma boa opção nos casos de doença periodontal apesar das complicações que possam surgir. “Não nos devemos esquecer que a palavra ‘risco’ faz parte do vocabulário médico, da cirurgia e, no caso concreto, da Implantologia. Na grande maioria das situações, o benefício proporcionado pela reabilitação implanto-suportada nestes pacientes ultrapassa grandemente os riscos que lhe possam estar associados”.
Principais complicações
“Está provado cientificamente que as bactérias que normalmente afetam os dentes causando periodontite, também podem afetar os implantes provocando a mesma doença”, refere Dárcio Fonseca, médico dentista e fundador da BeClinique, que aponta como principais complicações “a mucosite (reação inflamatória reversível, à volta dos tecidos moles dos implantes) e a perimplantite (inflamação crónica que afeta os tecidos, com profundidade de sondagem superior a cinco milímetros e perda de osso ao redor do implante)”. No perfil de risco, descreve João Caramês, “encontra-se essencialmente o paciente com doença periodontal prévia e o paciente fumador. Discute-se, por vezes, se a associação destes dois fatores pode contribuir para aumentar ainda mais a severidade das lesões. Contudo, estudos recentes vieram mencionar que a presença concomitante destes dois fatores não se traduz por uma maior gravidade quando cada um se encontra presente isoladamente (Saaby et al, 2016). Outras características locais da reabilitação poderão ser mencionadas como fatores de risco. Por exemplo: a ausência de uma adequada espessura de gengiva queratinizada ao redor do implante, o ajuste não passivo da reabilitação final, a ausência de espaços de higienização na estrutura protética definitiva ou o tipo de superfície implantar. A nível de patologia sistémica, um mau controlo da diabetes parece influenciar negativamente a progressão da peri-implantite.”
Apesar das dificuldades que a doença periodontal possa colocar, Carlos Falcão, médico dentista, considera que não existem limitações para colocação de implantes, mas “estes pacientes necessitam realizar previamente tratamento da doença periodontal. Isto deve-se ao fato do potencial de complicações biológicas ser elevado se o paciente não estiver periodontalmente controlado. A evidência atual refere uma maior probabilidade de aparecimento de perimplantite ou perimucosite neste tipo de pacientes, pelo qual se torna fundamental um tratamento de suporte periodontal e perimplantar para evitar este tipo de complicações.” Também Miguel Stanley, médico dentista e diretor clínico da White Clinic, reconhece que os pacientes com doença periodontal têm um risco aumentado. “Na minha visão holística – No Half SmilesTM – que assenta na reabilitação oral total, tenho sempre em consideração a situação periodontal antes de avançar com a colocação de implantes dentários”, frisa.
Um inimigo chamado peri-implantite
O principal obstáculo ao sucesso de um implante é a doença peri-implantar, concordam os especialistas. Na opinião de Carlos Falcão, diretor clínico do Porto Dental Institute, “a perimplantite constitui atualmente um dos maiores desafios da implantologia moderna, visto que até à data nenhuma terapia demonstrou de forma inequívoca a sua eficácia em todas as situações a longo prazo”. São várias as situações que levam à ocorrência de problemas peri-implantares, mas segundo João Caramês “podemos afirmar com algum nível de evidência, que a história prévia de doença periodontal constitui um dos principais fatores de risco de doença peri-implantar). Hoje sabemos que lesões de peri-implantite e doença periodontal são causadas por um perfil bacteriano maioritariamente comum e que desregulam o equilíbrio estabelecido com a imunidade do hospedeiro.”
As lesões de peri-implantite são um problema crescente. “Os estudos clínicos mais recentes apontam para percentagens de prevalência que, no meu entender, apresentam limitada validade extrínseca quando analisamos a realidade da população Portuguesa. As características histopatológicas das lesões de peri-implantite não só refletem a sua rápida progressão, como explicam a sua difícil resolução mediante tratamento cirúrgico ou não cirúrgico, com o envolvimento do tecido ósseo peri-implantar”, afirma João Caramês. Na origem deste aumento pode também estar o tipo de implante usado, destaca Miguel Stanley: “É um problema cada vez mais associado aos implantes de superfície rugosa. Em tratamentos de reabilitação complexa isto pode acarretar problemas significativos.”
Minimizar os riscos
“O controlo prévio da doença periodontal em pacientes candidatos a implantes é fundamental para a redução da flora peri implanto-patogénica existente. Além do fator transmissibilidade local há ainda a considerar o papel genético na sua determinação. Este último justifica o risco de peri-implantite observado nos pacientes desdentados totais bi-maxilares”, refere João Caramês.
Os fatores de risco que podem dificultar a implantação e manutenção de um implante podem dividir em dois grupos principais. O primeiro associado ao paciente, como a fraca higiene oral, tabagismo, consumo regular de bebidas alcoólicas, diabetes não controlada, e o segundo às características do implante como o “mau design da prótese sobre implantes (próteses fixas com abas que depositam biofilme junto do implante)”, exemplifica Dárcio Fonseca. O sucesso e durabilidade de um tratamento passa, segundo este médico dentista, pela “escolha dos implantes a utilizar, pela confeção adequada da prótese sobre implantes, seja unitária, múltipla ou total, pela manutenção da gengiva queratinizada no redor dos implantes (funciona como um escudo protetor à infiltração bacteriana) e pela conexão pilar/implante com plataforma shift, e o uso de superfícies cientificamente comprovadas que tenham uma melhor resposta à prevalência desta doença”.
Elementos decisivos são também a presença de tecido queratinizado em torno do implante e “a oclusão – um fator muitas vezes negligenciado, que pode inviabilizar toda a reabilitação e é onde vejo problemas surgirem a longo prazo em casos que recebo”, afirma Miguel Stanley, realçando: “Só utilizo implantes de conexão interna, colocados infraósseos e com os pilares de acordo com os princípios de platform switching para que o implante e a sua superfície rugosa estejam o mais protegidos de uma potencial periimplantite.”
Momentos-chave
Avaliação detalhada e cuidados redobrados no planeamento e preparação de cada caso são etapas incontornáveis. “Questionar o paciente desdentado total sobre o motivo da sua perda dentária assume, nestes casos, uma importância significativa”, realça João Caramês, segundo o qual “no correto planeamento da reabilitação é também importante excluir os dentes periodontalmente comprometidos que põem em causa o desenho estético da prótese definitiva e a sua eficaz higienização.”
Para Miguel Stanley, perante estes casos a principal questão que se coloca é: Proceder à extração e colocação de implante ou optar pela manutenção e monitorização do dente em questão? “Esta decisão é tomada em diferentes situações: no caso de um dente afetado com perda óssea localizada, em que os restantes estão saudáveis, não vejo contraindicação para a colocação de implante após a devida higiene oral. No caso de uma arcada afetada e uma periodontite generalizada (na minha experiência, geralmente o maxilar superior é mais problemático) faço extração seriada superior acompanhada de curetagem extensa, colocação de implantes e a manutenção rigorosa da arcada inferior. Em casos mais avançados, em que a gravidade da periodontite inviabiliza a manutenção de todos os dentes, prefiro fazer tudo numa só sessão, uma só cirurgia, para eliminar qualquer risco de infeção cruzada”, exemplifica. Perante uma situação de doença periodontal ativa, “com hemorragia à sondagem e exsudado purulento, a utilização de implantes dentários está contraindicada”, defende o médico dentista. “Nestes casos não dispenso o controlo rigoroso da doença periodontal e o planeamento estratégico a longo prazo da manutenção periodontal.”
Para reunir todas as condições, este médico dentista admite que não coloca nenhum implante sem um estudo 3D da área anatómica. “Há sete anos que trabalho com CBCT dentro da clínica e antes disso mais de 90% dos meus casos tinham TAC. Entendo que para um diagnóstico minucioso é fundamental o estudo do biótipo, do volume, da altura do osso, do tipo de osso, etc. avaliar o tipo de paciente que temos, fatores sistémicos relevantes, qualidade da HO são para mim os pilares fundamentais para tomar qualquer decisão. Há mais de 12 anos que 95% dos meus pacientes colocam todos os implantes necessários à reabilitação total da sua boca na mesma fase cirúrgica – não faz parte da minha filosofia trabalhar aos poucos.” Uma vez colocado o implante, importa monitorizar para garantir o seu sucesso a longo prazo. Para Dárcio Fonseca, o médico dentista deve “estar sempre vigilante e controlar radiograficamente e no caso das próteses totais fixas, remover as mesmas pelo menos duas a três vezes por ano, para limpeza e manutenção.”
As primeiras 6 semanas após a cirurgia são cruciais, sublinha Miguel Stanley: “Esta cicatrização inicial depende de vários fatores, como a imersão do implante, a existência de extração prévia e, por exemplo, se foi efetuada carga imediata; sem descurar todos os fatores sistémicos inerentes ao paciente. Como tal, o risco em qualquer uma das vertentes está sempre presente e nunca devemos relaxar”, afirma. Na perspetiva da manutenção, de acordo com João Caramês, “importa referir que a peri-implantite, pela ausência do suprimento sanguíneo presente no ligamento periodontal do dente e menor selamento dos tecidos moles, assume um início e progressão súbita. Neste sentido é fundamental alertar o paciente para um protocolo específico de manutenção da reabilitação implanto-suportada. Assim conseguimos reduzir a incidência de peri-implantite e obter resultados mais eficazes aquando do seu diagnóstico precoce.”
Atualmente, e no que respeita à perimplantite, “não existe um tratamento comprovado cientificamente realmente eficaz”, refere Dárcio Fonseca. Neste âmbito “tornou-se uma prática comum administração de agentes antimicrobianos nos locais infetados (geis, fibras poliméricas, microcápsulas, antissépticos e antibióticos) tal como terapêuticas recessivas e cirúrgicas, com a limpeza normal, eliminação do tecido inflamatório e regeneração óssea e tecidular da área infetada”, exemplifica. Com uma visão otimista face ao futuro, João Caramês considera que “a Implantologia não só consegue responder à necessidade destes pacientes, como está no bom caminho para resolver com total eficácia as suas complicações. No futuro, o desenvolvimento de superfícies de implantes com características antibacterianas e simultaneamente osteogénicas parece promissor. A evolução no desenho e composição dos pilares protéticos também será importante para promover um melhor selamento dos tecidos peri-implantares.”
Boas práticas
Na perspetiva de João Caramês, “o bom planeamento prostodôntico e o envolvimento do paciente no conhecimento prévio dos riscos associados é fundamental. Se ainda não conseguimos demonstrar um tratamento cirúrgico (quase sempre necessário) 100 % efetivo no tratamento da peri-implantite, resta-nos adotar todas as medidas para a sua prevenção. O controlo prévio da doença periodontal é fundamental aquando da colocação de implantes. Optar por implantes com superfícies implantares moderadamente rugosas e topografia favorável a menores taxas de prevalência de peri-implantite, protocolos cirúrgicos de colocação do implante que reduzam ao máximo o risco de exposição da sua superfície, protocolos cirúrgicos que favoreçam a preservação de gengiva queratinizada por vestibular da plataforma do implante, estruturas protéticas com espaços de higienização e protocolos específicos de manutenção para este tipo de pacientes são alguns dos aspetos que têm sempre de ser considerados.”
Apesar de reconhecer que “a maioria dos profissionais estão já alertados para este problema e muitos têm a formação adequada para lidar com ele, atitude preventiva por parte do médico dentista e do paciente ainda está, em muitos casos, longe do ideal. Parte do problema reside no fato de esta ser uma doença quase assintomática, sem provocar dor, o que facilita a evolução ‘silenciosa’”, comenta Carlos Falcão. Miguel Stanley destaca ainda a necessidade de maior formação e atualização constante: “O facto de termos uma licença para colocar implantes não significa que todos o deveríamos fazer. Recentemente renovei a minha licença para praticar medicina dentária no Reino Unido e a exigência de horas certificadas de educação contínua era elevada. Entendo que algo parecido era vantajoso para a implantologia. Não é num curso de fim de semana com professores com 3-4 anos de experiência que se consegue aprender o que é necessário para enfrentar as dificuldades que a implantologia moderna apresenta.”
Opinião unânime de todos os entrevistados é o papel do paciente no sucesso da manutenção do implante. “Não podemos pedir a um implante que dure toda uma vida, quando o dente natural não o foi capaz de fazer. A mensagem e o apelo transmito aos meus pacientes é que se mudarem os hábitos de higiene oral que os conduziram ao edentulismo, a nossa equipa clínica tudo fará para garantir o sucesso da reabilitação com implantes durante muitos e longos anos”, resume João Caramês.
Especialistas relatam alguns casos problemáticos que enfrentaram em consulta
“Recordo o caso de um paciente periodontal tratado a quem colocamos uma reabilitação implantosuportada sobre seis implantes e que nunca cumpriu o programa de tratamento de suporte que, normalmente, recomendamos. O paciente voltou a fumar (o tabaco piora de forma dramática a evolução deste problema) e três anos depois, quando regressou à nossa clínica, cinco dos seis implantes.” Carlos Falcão
“A situação mais problemática decorre do paciente que, concluída a reabilitação, assume erradamente que não necessita de efetuar controlos periódicos e consultas de higiene oral. A queixa surge só anos mais tarde, com a mobilidade do implante ou da estrutura protética. Nestas situações, a perda do implante, e por vezes da prótese, é incontornável. Observa-se nestes casos uma perda óssea radiográfica quase equivalente ao comprimento do implante, não antes declarada devido à ferulização full-arch da reabilitação. O cenário torna-se ainda mais dramático quando a perda do implante é acompanhada por uma atrofia óssea vertical e horizontal severa que limitam as hipóteses futuras de tratamento.” João Caramês
“Infelizmente tenho vários casos de perda de implantes. As causas são variadas, mas a maior parte deve-se ao não cumprimento dos cuidados que recomendamos. Por outro lado considero que os pacientes não percebem que os seus hábitos (ou falta deles) podem contribuir significativamente para estas falhas, ou seja, que os fatores que contribuíram para a perda dos seus dentes, são quase os mesmos que levam à perda de implantes a longo prazo…” Dárcio Fonseca
“Qualquer implantologista, por mais experiente que seja, enfrenta problemas diariamente. Na minha experiência, as grandes dificuldades são sempre de cariz emocional porque o fracasso é tremendamente taxativo para o paciente, bem como para a equipa. Como tal é preciso não protelar os problemas e resolvê-los de imediato. No início da minha prática na área da implantologia, em meados dos anos 2000, coloquei alguns implantes que, apesar de reconhecidos no mercado da altura como líderes, tinham um tratamento de superfície com predisposição para a peri-implantite. Foi uma fase difícil que me obrigou a aprender a lidar com o fracasso.” Miguel Stanley
Dárcio Fonseca aponta os principais fatores a ter em conta na avaliação de um paciente
ALTO RISCO
– Periodontite agressiva
– Muita placa bacteriana e sangramento à sondagem
– Alta exigência estética
– Alto custo do tratamento
– Quantidade e qualidade óssea comprometida
– Grande necessidade de aumento ósseo e tecidular
– Bolsas residuais nos dentes vizinhos ≥ 5mm
MÉDIO RISCO
– Doença periodontal previamente tratada com sucesso
– Má higiene e bolsas periodontais residuais
– Preparado para um resultado estético pior
– Capaz de suportar custo alto tratamento
– Não necessita de grandes técnicas de aumento ósseo e tecidular
– Dentes vizinhos podem precisar de higiene periodontal
BAIXO RISCO
– Sistematicamente saudável
– Boa resposta à terapia periodontal
– Higiene oral ótima
– Baixas exigências funcionais e estéticas
– Sem preocupação com os custos
– Quantidade óssea e tecidular adequada
Artigo publicado na edição de março/abril de 2016 da revista SAÚDE ORAL