Ao longo dos anos, a evolução da endodontia tem sido notória. As inovações, não só a nível técnico, mas também no que respeita a novos materiais e até na área de formação têm levado a que a endodontia seja cada vez mais vista como uma área prioritária nas clínicas dentárias, exigindo uma diferenciação cada vez maior do médico dentista. Em paralelo, esperam-se avanços no que respeita à transição para a implementação do título de especialista e do Colégio da Especialidade.
Nesta como em outras áreas da medicina é preciso apostar em literacia, em formação, em conhecimento. Relativamente à endodontia, ainda existe um longo caminho a percorrer, defende João Miguel Marques dos Santos, médico dentista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC). “Estamos ainda numa fase embrionária no que respeita ao despertar da população para a importância de preservar os seus dentes naturais, como forma de promover um aumento da qualidade de vida e contribuir para a manutenção ou restabelecimento da saúde sistémica”, defende. Este trabalho pode passar pela sinergia pela escola, nos diferentes níveis de ensino, das sociedades científicas da área e por cada profissional de saúde em particular, quer a nível profissional, quer no que respeita à sua intervenção cívica, sublinha.
Luís Miguel Corte Real, presidente do Conselho Fiscal da Sociedade Portuguesa de Endodontologia (SPE) considera que a imagem da endodontia tem, lenta e progressivamente, subido de estatuto, sobretudo, no que respeita “à melhoria da qualidade dos tratamentos endodônticos realizados pelos excelentes profissionais portugueses que se dedicam à endodontia, tanto em Portugal como no estrangeiro, sendo que ainda há muito a fazer”. A chave, defende, é a formação, tanto no que respeita à formação pós-graduada, mas também ao ensino pré-graduado. “Estamos a deixar a era negra das ‘desvitalizações’ e a entrar na golden era dos tratamentos endodônticos”, afirma. Comparativamente ao que se fazia há uns anos, a qualidade formativa tem aumentado, assim como se denota que as faculdades formam hoje médicos dentistas com um maior conhecimento científico e prático da Endodontia moderna.
“Estamos a deixar a era negra das ‘desvitalizações’ e a entrar na golden era dos tratamentos endodônticos” – Luís Miguel Corte Real, Sociedade Portuguesa de Endodontologia
O endodontista é um profissional com um papel muito relevante numa equipa multidisciplinar. Já não existem dúvidas quanto a isso. E, apesar do descrito atrás, a população também vai percebendo “a importância da manutenção dos próprios dentes e do direito ao sorriso”, explica Paulo Palma, professor na FMUC. Mas, apesar de o acesso ao conhecimento na área de saúde oral estar hoje mais democratizado e disponível em diversas plataformas, ao médico dentista cabe “esclarecer e, porventura, filtrar a informação de modo a melhor educar o paciente em questão. Um paciente mais bem informado da complexidade e dificuldade do caso aceita melhor os planos de tratamentos mais diferenciados”, adianta.
“Um paciente mais bem informado da complexidade e dificuldade do caso aceita melhor os planos de tratamentos mais diferenciados” – Paulo Palma, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
A população também é mais exigente e “já não aceita de ânimo leve a extração do seu dente e posterior substituição por uma peça protética, por mais sofisticada que esta seja”, refere Rui Pereira da Costa, médico dentista com prática exclusiva em endodontia há mais de há 17 anos. Isto representa aquilo a que o também diretor do Instituto Português de Endodontia [o primeiro centro a nível nacional a dedicar-se exclusivamente a esta área voltado essencialmente para a referenciação por parte dos médicos dentistas generalistas ou de outras especialidades da medicina dentária] define como “mudança de paradigma” que tem vindo a marcar a última década, “em que a implantologia era apresentada como a panaceia para todos os problemas, representando uma solução com taxas de sucesso bem acima dos 90%. Hoje sabemos que não é assim, e muitos estudos científicos tem demonstrado que, não só a taxa de sucesso real dos implantes é consideravelmente mais baixa, como os tratamentos endodônticos não cirúrgicos, quando realizados com os mais altos padrões de qualidade, tem um prognóstico superior ao dos implantes”.
Inovação permite oferecer tratamentos menos invasivos
Os avanços da ciência e da medicina dentária vão no sentido de procurar soluções minimamente invasivas que permitam preservar, o mais possível, os dentes naturais. “Destacamos, a título de exemplo, a utilização da pulpotomia em dentes definitivos com pulpite irreversível, como abordagem alternativa ao tratamento endodôntico convencional; técnicas de microcirurgia para preservação de dentes afetados por lesões periapicais secundárias e a aplicação de procedimentos endodônticos regenerativos, para devolver vitalidade a dentes que a perderam em consequência de traumatismos ou infeções”, destaca João Miguel Marques dos Santos. O docente elogia um grupo de clínicos, em Portugal, que está na vanguarda da aplicação clínica e na promoção das referidas técnicas e que participa ativamente em fóruns nacionais e internacionais. “Além disso, temos o privilégio de produzir, a nível nacional, evidência científica com impacto na promoção deste tipo de abordagens ao nível da comunidade internacional, e isso é algo de que nos devemos orgulhar. Conseguimos acrescentar conhecimento e estamos a contribuir para uma melhoria da prestação de cuidados de saúde a nível global”.
Paulo Palma considera que a endodontia tem vindo a reinventar-se nos últimos anos e destaca a implementação de novas abordagens terapêuticas. “Neste âmbito, os recentes avanços tecnológicos (como a implementação do microscópio operatório), os desenvolvimentos de novos biomateriais (como o cimento de silicato de cálcio) e novos conhecimentos na biologia pulpar, entre outros, possibilitaram, não só a apresentação de novas técnicas ao leque de opções convencionais, como a melhoria de conceitos antigos à luz do conhecimento atual.” A este propósito, o professor destaca “os procedimentos endodônticos regenerativos em dentes imaturos, em necrose pulpar, que visam restabelecer um tecido vital no interior de um dente de modo a possibilitar a recuperação da lesão apical e o aumento das paredes e, consequentemente, a manutenção do dente”.
Mais recentemente, há a enunciar “os procedimentos em polpa vital em dentes de ápex encerrado que visam a manutenção do tecido pulpar evitando, deste modo, o tratamento endodôntico não cirúrgico”. Solucionar o caso com a menor intervenção e o menor dano possível das estruturas – dentária e pulpar – é aquilo que Paulo Palma define como tratamento minimamente invasivo.
Com o progresso, a abordagem regenerativa, reparadora e ultraconservadora tem progredido, acrescenta Luís Corte Real. “Desde já no diagnóstico pulpar, passando também por novos e melhores materiais e equipamentos, como por exemplo, cimentos de obturação biocerâmicos, a utilização da radiologia 3D que permite fazer cavidades de acesso ultraconservadoras, ou mesmo, na utilização de terapêutica recorrendo à luz laser.” Ao nível de conceitos da biologia pulpar, considera que “estamos a recuperar conceitos que, já há muito, estão bem estudados, mas que, com os novos materiais biocerâmicos disponíveis no mercado e a utilização cada vez mais massificada de uma melhor ampliação com novos e melhores microscópios intraoperatórios (essenciais para um endodontista), a terapia pulpar vital tem sido considerada cada vez mais como uma opção viável, previsível e de sucesso clínico, mesmo em casos de pulpites Irreversíveis em alternativa ao tratamento endodôntico não cirúrgico”.
Também têm sido descritos mais casos clínicos e avanços no conhecimento científico da regeneração pulpar e a neoformação de estruturas dentárias. Para o membro dos corpos sociais da SPE, o conhecimento nestas áreas tem contado com o contributo de investigadores portugueses, como evidencia a publicação de vários artigos científicos. “Estas terapêuticas ultraconservadoras deveriam ser, quando seja clinicamente indicado, uma real opção de tratamento, à luz do atual conhecimento científico”, sustenta.
Também Rui Pereira da Costa destaca a importância do microscópio operatório por permitir “uma conservação máxima de estrutura dentária durante os procedimentos de acesso coronário e a resolução de acidentes endodônticos, ao design dos novos sistemas de instrumentação e às ligas metálicas em que são fabricados, que lhes conferem uma elevada flexibilidade e muito menor potencial de desgaste excessivo”. Estes são hoje elementos essenciais para “uma conformação minimamente invasiva dos canais radiculares, e aos materiais biocerâmicos, que permitem a resolução de problemas endodônticos de dentes que, não há muitos anos, eram dados como perdidos, abrindo a porta a novas abordagens regenerativas que apresentam soluções cada vez mais previsíveis e altamente conservadoras”, acrescenta.
No caso de infeções agudas não tratadas adequadamente e de alguns traumatismos dentários severos, o desfecho pode ser mais conservador, no sentido em que será mais difícil preservar o dente. “O prognóstico do dente é muito reservado aquando da presença de uma fratura vertical radicular, presença de uma grande perda de estrutura dentária remanescente impossibilitando a restauração e de doença periodontal descontrolada”, refere Paulo Palma, salientando que, na presença destas situações, a remoção do dente pode ser equacionada.
A relação da Endodontia com a periodontia
São duas disciplinas que se complementam e têm de andar de mãos dadas “se quisermos estabelecer planos de tratamento previsíveis e que visem a longevidade dos resultados. Sobretudo, tendo em conta o aumento da esperança média de vida, temos uma população onde a prevalência de doença periodontal está a aumentar, de acordo com o último relatório da Global Burden of Disease Study”, afirma João Miguel Marques dos Santos. Por isso, é cada vez mais necessária a realização de “mais tratamentos endodônticos em dentes que exibem perda de suporte periodontal, com consequentes implicações biomecânicas e impacto no prognóstico do tratamento endodôntico. Por outro lado, a perda de suporte periodontal pode levar à exposição de zonas da raiz que estão em contacto com o interior do dente, a polpa dentária, conduzindo ao aparecimento de inflamação e/ou infeção pulpar, que exigem intervenção endodôntica”. O professor da FMUC diz-nos ainda que a interrelação é de tal modo intensa, que a nova classificação de doenças periodontais proposta pelo 2017 World Workshop on the Classification of Periodontal and Peri-Implant Diseases and Conditions, inclui um grupo de patologias que são designadas de lesões endo-periodontais.
Embora à primeira vista possam parecer bem diferentes, ambas as especialidades têm como objetivo comum “a preservação da peça dentária na boca. Este esforço conjunto visa a manutenção daquele que é considerado como o melhor implante biológico que poderemos dar aos nossos pacientes e que é o próprio dente”, afirma Paulo Palma. No entanto, o médico dentista entende que se deve particularizar que “os tratamentos preconizados pela endodontia visam o tratamento e/ou prevenção da periodontite apical e, com isto, a manutenção do próprio dente”.
Também Rui Pereira da Costa elogia esta proximidade clínica entre as duas áreas. “Uma colaboração estreita entre o periodontologista e o endodontista é muitas vezes essencial para que situações de lesões endo-periodontais possam ser abordadas numa ótica multidisciplinar, o que se refletirá num melhor diagnóstico, plano de tratamento e prognóstico”.
O que falta para formalizar a Endodontia enquanto especialidade?
É uma necessidade identificada há algum tempo. O estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) estabelece que as áreas de ortodontia, cirurgia oral, odontopediatria, periodontologia, medicina dentária hospitalar, endodontia, prostodontia e saúde pública oral são especialidades exclusivamente atribuídas pela Ordem e sujeitas a reserva de lei, conforme pode ler-se no site oficial da OMD.
Após a conclusão do processo especial de implementação das especialidades de cirurgia oral, odontopediatria e periodontologia (que se juntaram à de ortodontia), a Ordem, já em 2019 noticiava que se preparava para regulamentar as restantes. Nesse sentido, em outubro desse ano, realizou um inquérito para aferir quais as áreas que os médicos dentistas consideram que devem ser mais prioritárias. Foram recolhidas 2507 respostas e este inquérito à classe permitiu concluir que a endodontia surge no topo das preferências, com 63% das respostas, seguindo-se a prostodontia (49%), a medicina dentária hospitalar (41%) e a saúde pública oral (32%). Neste inquérito, foi dada a hipótese de cada médico dentista escolher até duas especialidades.
“O processo de implementação das novas especialidades da medicina dentária arrancou em 2011 e deu lugar aos primeiros especialistas titulados em cirurgia oral, periodontologia e odontopediatria. O sucesso deste projeto levou a OMD a dar continuidade à criação de todos os colégios previstos no estatuto e a regulamentar o procedimento especial, e igualmente transitório, de acesso às restantes especialidades”, pode ler-se em notícia divulgada no site da OMD. Na opinião de Paulo Palma, “esta será uma mais-valia, não só para os colegas que se dedicam à área, mas pelo reconhecimento que pode haver na referenciação dos seus pacientes“. O que falta então para a formalização e para que este processo avance?
Esta “especialidade” já existe na prática, na opinião de Luís Corte Real. “Todos os médicos dentistas a reconhecem como tal. Só ainda não está formal e legalmente organizada e, quem exerce estes tratamentos altamente diferenciados em Portugal, não pode nem deve intitular-se como especialista em endodontia.” Mas será uma questão de tempo, sublinha. A SPE, representada por António Ferraz está a fazer a devida articulação com a OMD. “Esperamos que a implementação desta especialidade seja uma realidade durante o decorrer do atual mandato pois o senhor Bastonário Miguel Pavão já demonstrou publicamente a sua intenção de que a especialidade em Endodontia, bem como outras, avancem o quanto antes”, refere.
Para João Miguel Marques dos Santos, importa que exista uma definição clara dos requisitos a cumprir pelos médicos dentistas que pretendam concorrer ao processo especial de acesso ao título de especialista em Endodontia. “A OMD conta com um grupo de trabalho dedicado a este tema que tem demonstrado um salutar diálogo interinstitucional para a definição dos requisitos a exigir, cuja divulgação e discussão pública estamos a aguardar”, defende. E acrescenta: “É crucial não ceder a facilitismos e manter a fasquia de exigência nivelada pelas associações internacionais congéneres, não descurando, obviamente, a realidade de oferta formativa, na qual os profissionais nacionais tiveram de construir o seu percurso e alcançar a sua diferenciação”. Como vantagens desta formalização, o docente espera assistir à promoção de uma melhoria na formação dos médicos dentistas, ao melhor acesso da população a cuidados de saúde diferenciados e à dignificação das condições de trabalho dos endodontistas.
António Roma Torres é médico dentista e membro do Conselho Diretivo da OMD e explica à SAÚDE ORAL que já existe hoje em Portugal “massa crítica” e profissionais dedicados à Endodontia que justifiquem a formalização da especialidade. Referindo-se ao inquérito realizado no anterior mandato da OMD, o médico defende que existe vontade coletiva por parte dos colegas e que a mesma já vem do passado. Entretanto, foi publicado o Regulamento de Acesso às Especialidades em Endodontia e Prostodontia em Diário da República, em 2013. O que falta agora é implementar o processo transitório especial na atribuição dos títulos de especialidade. “Uma das nossas prioridades nesta questão é implementar as especialidades de forma justa e transparente entre todos os colegas, ou seja, tanto aquele que fez uma pós-graduação neste formato mais atual {em que se exigem 3000 horas de formação, o correspondente a três anos de trabalho em full-time, segundo a última Diretiva, de 2005] como o que fez há dez anos e não tinha essa possibilidade porque nem sequer havia essa opção.”
“A implementação da endodontia enquanto especialidade reconhecida pela OMD e por consequência, pelo Estado português, é fundamental uma maior dignificação da especialidade, e para que finalmente se torne mais claro para a população que existem profissionais habilitados e diferenciados, com competências específicas na abordagem endodôntica dos seus dentes, ficando na sua mão, a escolha de um especialista ou de um médico dentista generalista para a realização dos seus tratamentos da especialidade da Endodontia”, defende Rui Pereira da Costa. Por outro lado, a futura especialidade permitirá chegar, na sua opinião, “mais de perto de várias entidades, como subsistemas de saúde, ou outros, de forma que tratamentos diferenciados realizados por especialistas possam finalmente ser reconhecidos e valorizados como tal”.
A concretizar um ano de mandato, a OMD quer dar uma resposta a todos e não vedar o acesso à especialidade a ninguém. “Para isso, teremos de abarcar as pessoas que já estavam no mercado de trabalho na função de especialista com aquelas que tiraram a formação e sincronizadas com esta questão da Diretiva. Por isso é que é necessário fazer este processo transitório especial para atribuição dos títulos de especialidade”, refere António Roma Torres. O processo é moroso para que não haja falhas no processo. Este grupo de trabalho integra pessoas de vários órgãos sociais para que, em conjunto, seja emitida uma recomendação para o Conselho Diretivo e após deliberação, remetida para o Conselho Geral da OMD.
Também a prostodontia está numa fase mais madura do processo porque já existe um regulamento publicado em Diário da República, mas existem outras áreas por formalizar, como por exemplo, a medicina dentária hospitalar e a saúde pública oral. Há que ponderar se devem seguir em simultâneo com as anteriores ou se requerem um pouco mais de trabalho, uma vez que não têm o seu regulamento de acesso. “Não nos podemos precipitar pois queremos que os colegas sejam tratados de forma justa e equivalente. Os diferentes percursos das pessoas devem ser harmonizados, de alguma forma, para não prejudicar ninguém”, refere António Roma Torres. Os mais novos têm hoje uma perspetiva um pouco diferente do que é a endodontia relativamente à que os colegas teriam há uma década.
“Não nos podemos precipitar pois queremos que os colegas sejam tratados de forma justa e equivalente. Os diferentes percursos das pessoas devem ser harmonizados, de alguma forma, para não prejudicar ninguém”, explica António Roma Torres, membro do Conselho Diretivo da OMD, no que respeita à morosidade da atribuição do título de especialista aos endodontistas.
Dignificar a endodontia
A SPE tem como missão o estudo, a valorização e a divulgação da disciplina da Endodontia em Portugal. “Dentro da medicina dentária, a Endodontia tem sido ao longo dos anos das áreas com menos notoriedade, por ser um ato clínico considerado complexo e por apresentar, na perceção dos menos esclarecidos da própria classe e da população em geral, resultados clínicos menos previsíveis”, explica Luís Miguel Corte Real, presidente do Conselho Fiscal da Sociedade. Uma das missões da SPE, dos seus membros e dos seus associados é demonstrar, com a melhor e mais atual evidência científica, que a endodontia é uma opção clínica que valoriza a preservação do dente e a sua conservação. “Desde que executada com as melhores práticas, consegue fazê-lo de uma forma previsível, segundo os mais recentes estudos, com uma taxa de sucesso entre 90-98%”, adianta.
A formação assume também um papel primordial neste caminho de dignificação da área. “O foco no ensino está a mover-se de uma tendência centrada nas técnicas e protocolos operatórios, para a fundamentação biológica dos procedimentos clínicos que o futuro médico dentista irá realizar”, defende João Miguel Marques dos Santos. O paradigma da medicina dentária baseada na evidência científica implica que se cultive, desde cedo, nos alunos, o interesse pela ciência e pelo aprofundar do conhecimento, adianta. O médico dentista tem constatado uma demora excessiva entre a produção de evidência científica de qualidade e a chegada dessa mensagem aos profissionais e considera que este trabalho tem de ser contínuo ao longo das diversas etapas formativas.
“O foco no ensino está a mover-se de uma tendência centrada nas técnicas e protocolos operatórios para a fundamentação biológica dos procedimentos clínicos que o futuro médico dentista irá realizar” – João Marques dos Santos, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Rui Pereira da Costa continua a coordenar as formações blended-learning (com componente online e presencial) em Endodontia Avançada, “que permitem oferecer um programa teórico muito mais extenso e completo, ao longo de semanas, deixando os dias presenciais totalmente dedicados à prática pré-clínica intensiva de todos os procedimentos endodônticos apreendidos, sem tempos ‘perdidos’ em aulas teóricas. Em simultâneo, continua a partilhar conteúdos da área no seu canal de Youtube, no Instagram e no Facebook, quer em casos clínicos transmitidos ao vivo, quer em podcasts ou apresentações de casos clínicos comentados e explicados.
O que a pandemia mudou
A pandemia trouxe novos desafios e algum impacto na atividade dos médicos dentistas e nos tratamentos dos pacientes. Paulo Palma verificou um aumento das situações de dor aguda e também muitas fraturas dentárias, sendo que algumas já se encontravam num estado avançado sem que fosse possível manter a peça dentária. “Na pandemia, o confinamento associado aos níveis de stress a que as pessoas estiveram sujeitas e restringirem ao máximo as saídas, contribuiu muito para aumento, agravamento e complexidade dos casos”, refere o médico dentista.
Destacam-se ainda “as situações em que os tratamentos não foram concluídos atempadamente durante o primeiro confinamento, o que piorou o prognóstico ou levou a que tivessem de ser concluídos fora das condições ideais”, salienta João Miguel Marques dos Santos. Atualmente, porém, esses constrangimentos foram ultrapassados e a prática clínica retomou um funcionamento próximo da normalidade, destaca.
Após esta primeira fase da pandemia e com a reabertura das clínicas de medicina dentária, Rui Pereira da Costa considera que foi notório “um regressar tímido” dos pacientes, e que, em muitos casos protelaram situações que deveriam ter sido resolvidas muito mais cedo. “Isto acabou por traduzir-se num aumento de situações mais graves, como abcessos dentários, periodontites apicais sintomáticas, fraturas dentárias, entre outros, que levaram a uma maior dificuldade e, muitas vezes, a um pior prognóstico na resolução destes problemas”, salienta.
Rui Pereira da Costa destaca “o regressar tímido” dos pacientes às consultas depois do primeiro confinamento do ano passado, o que acabou por traduzir-se “num aumento de situações mais graves (…) que levaram a uma maior dificuldade e, muitas vezes, a um pior prognóstico na resolução destes problemas”
Mas também há aspetos positivos a destacar durante a pandemia. É que perante a adversidade que vivemos a nível mundial, foram surgindo novas ferramentas e plataformas de conhecimentos. “O ensino à distância possibilitou desenvolvimentos de ações formativas e veio para ficar. Algumas das ações que gostaria de destacar são as que a SPE tem para os respetivos sócios”, explica Luís Miguel Corte Real. Para dar exemplos práticos, o médico dentista refere a área da simulação médica, que surgiu com o objetivo de replicar situações clínicas em fantomas e o surgimento de modelos de realidade virtual que permitem simular vários aspetos em termos de aplicação clínica (como por exemplo, simulação virtual das técnicas de anestesia). “Existem algumas plataformas que promovem virtualmente a criação de competências para decisão clínica, com acesso a smartphone, em o que o aluno se vê confrontado com diversas situações clínicas e terá de atuar em conformidade no paciente virtual”, explica.
O novo Bastonário da OMD e os órgãos sociais tomaram posse há um ano, em plena pandemia. “Fizemos toda a campanha de forma virtual e o Conselho Diretivo trabalhou sempre via online. Conheci algumas pessoas apenas na tomada de posse”, refere António Roma Torres, assegurando que os vários desafios que a nova lista tem pela frente começaram logo nesse momento. Miguel Pavão veio assim substituir o anterior bastonário Orlando Monteiro da Silva que ocupava o cargo desde 2001, reunindo 3462 votos, segundo dados publicados em junho do ano passado no site da Ordem.
Já este ano, a 30 de janeiro, a nova direção e os corpos sociais da SPE tomaram posse e a pandemia, como seria de esperar, trouxe muitos constrangimentos. Em particular, os encontros científicos presenciais foram adiados e, a direção, liderada por Paulo Miller e o presidente da Comissão Organizadora do Congresso, Sérgio Quaresma, decidiram adiar o Congresso da SPE, em Lisboa, para setembro de 2022, se a pandemia assim o permitir. “No entanto, como todos, tivemos de nos adaptar e continuar com ações online, mas, sem dúvida que os anos de 2020 e 2021 serão anos de estagnação relativamente ao crescimento em número de associados, em comparação com 2018 ou 2019”, refere Luís Miguel Corte Real. Atualmente, a SPE está a realizar as Endo Conferences 2021, por via digital, onde conta com palestrantes nacionais e internacionais.
O médico dentista deixa o seguinte repto a todos que abraçam esta causa: “Unam-se a nós e ao nosso lema: ‘Juntos somos Fortes’, inscrevendo-se como associados de pleno direito, através do nosso site http://www.spendo.pt”.
A pandemia deixou bem patente algo que Rui Pereira da Costa já tinha identificado há muitos anos: o enorme potencial que o ensino online representa. O médico dentista organizou o primeiro congresso mundial online em Endodontia, o Internacional Endo Masters 2015, tendo reunido mais de 15000 participantes de 120 países diferentes, um projeto que considera inovador e disruptivo para a época. O também coordenador dos cursos de endodontia RPCendo e docente nos programas de Pós-Graduação em Endodontia da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMD-ULisboa), desde 2010, e da Universidade Internacional da Catalunha, em Barcelona, desde 2005, considera-se um apaixonado pelas tecnologias de formação online e realizou, em pleno confinamento, durante o ano de 2020, inúmeras masterclasses gratuitas, que chegaram a ter mais de 700 inscritos, várias lives no Instagram, deu início a dois podcasts, e realizou um curso online de endodontia com uma componente presencial opcional. Foram mais de 70, os alunos que aderiram a este formato.
Curso em Endodontia e Reabilitação de dentes em setembro
O próximo projeto a organizar no Centro de Formação IOA Oralplan, nas Caldas da Rainha, consiste na realização de um curso de endodontia e reabilitação de dentes endodonciados, uma formação “que permita aos colegas tornar a endodontia e a restaurabilidade de um dente mais simples e previsível”, explica João Fagulha, médico dentista e formador. Com a duração de quatro dias, entre 28 de setembro e 1 de outubro, este curso será ministrado por cinco formadores experimentes na área. “Os alunos terão acesso aos melhores materiais que dispomos, hoje em dia, na área da endodontia, tais como microscópio operatório, lupas de magnificação, assim como, variados sistemas de instrumentação e de obturação”, sublinha.
Como novidade, será realizado um caso clínico em direto por um dos formadores para que todos os colegas possam assistir aos protocolos e partilhar todas as dúvidas que tenham. Para mais informações, aceda a https://ioaoralplan.pt
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 139 da revista SAÚDE ORAL, de julho-agosto de 2021.